Com aumentos populacionais que chegam a 70%, impulsionados pelos períodos de pandemia e pós-pandemia, municípios do litoral registram requalificação da infraestrutura, comércio e serviços nas praias

Na primeira temporada depois do fim da pandemia, os veranistas que pretendem trocar Curitiba (PR) pelas praias do Paraná e Santa Catarina no Verão 2023/24 devem encontrar, nos balneários, um cenário diferente de anos anteriores. Com a consolidação do trabalho remoto em vários segmentos e a decisão de trocar os centros urbanos pela calmaria dos balneários – tomada principalmente pelos nômades digitais e aposentados -, o perfil da população dos municípios litorâneos mudou.

De acordo com o Censo 2022 do IBGE, enquanto a população da capital paranaense cresceu menos de 1,5% nos últimos 12 anos, Pontal do Paraná, no litoral do estado, por exemplo, registrou crescimento de mais de 35%, com o número de moradores fixos saltando de 20.919 para 32.985 entre 2010 e 2022. Em Matinhos e Guaratuba, a oscilação foi de cerca de 25% da população fixa.

A explosão demográfica nas cidades litorâneas foi ainda maior no litoral catarinense, opção de moradia de muitos curitibanos no período pandêmico e pós-pandêmico. Entre as consequências do movimento migratório, segundo o diretor da JBA Imóveis e analista do mercado imobiliário, Ilso Gonçalves, estão a reestruturação urbana, requalificação do comércio e crescimento acelerado da construção civil. “Morar na praia deixou de ser um sonho de consumo apenas para aposentados e o litoral passou de destino de férias para opção de vida. Com a boa oferta de imóveis, de comércio e de serviços nas praias, os visitantes passaram a ser residentes. Os municípios litorâneos, acostumados a lidar com a movimentação extraordinária de população flutuante das temporadas, se adaptaram para absorver o número crescente de novos moradores. E o mercado imobiliário mostrou agilidade para se adequar à nova demanda”, explica.

Segundo o IBGE, o estado de Santa Catarina, que registrou o segundo maior crescimento populacional do país – de quase 22% – tem quatro cidades entre as 10 que mais cresceram em população nos últimos 12 anos. E todas são litorâneas. Próximos de Curitiba (PR) e Joinville (SC), os balneários de Itapoá e Barra Velha, por exemplo, cresceram mais de 100%.

A psicóloga Maria Antonieta Vanegas Cortez entra nas estatísticas daqueles que tomaram a decisão de viver definitivamente na “casa de praia”. Com imóvel de veraneio em Itajubá (SC) desde 1985, ela foi estendendo a permanência no litoral na última década, até que decidiu partir para o litoral “de mala e cuia”. E não se arrependeu. “A mudança no perfil dos moradores fixos veio acompanhada de benfeitorias na infraestrutura urbana, o que antes era visto como investimento caro e desnecessário. O resultado é que isso atraiu comércio para públicos mais exigentes, como bons supermercados e lojas de marca”, conta. Com o crescimento populacional dos últimos anos, a psicóloga identificou, ainda, uma nova oportunidade de negócio. Ela decidiu investir em imóveis compactos no litoral, para locações de curta temporada, por meio de aplicativos de hospedagem, anúncios nas redes sociais e indicações de amigos.

A jornalista Luciane Honório também deixou para trás a correria da cidade grande para “descer a serra” e viver em Itapoá (SC). A mudança, de Curitiba para o litoral catarinense, se deu há um ano e meio. A curitibana, que mora com o marido e a mãe idosa, residia em um apartamento em uma via rápida da capital e enfrentava a rotina diária de congestionamentos e longas distâncias, que limitavam o tempo de dedicação à mãe. “Primeiro, veio a decisão do home office, que é possível no jornalismo. Na sequência, de mudar para a praia. Ficou tudo mais perto e mais rápido de resolver. O estresse diminuiu e até as dores de estômago que eu tinha passaram. O que as pessoas precisam fazer quando têm esse desejo e objetivo, de morar na praia, é criar coragem. O trabalho e a reestruturação da vida em outro lugar fluem em função da decisão”, aconselha.

A mais de 300 km de Itapoá, na Praia da Ferrugem, em Garopaba (SC), a administradora curitibana Laura Ruggi encontrou a qualidade de vida que buscava. Ela se mudou em março de 2023 e vai experimentar a primeira temporada residindo, de fato, no Litoral. “O Natal e Ano Novo eu vou passar em Curitiba, com os meus pais. Mas volto para curtir a temporada na minha casa. Vivendo na praia, se o tempo está bom e sobra um tempinho mesmo durante a semana, dou uma chegadinha na areia pra ver o mar. Só a caminhada, a paisagem e sentir o ar do litoral já fazem uma mudança significativa no dia da gente”, relata. “A sensação é de respirar melhor e de se conectar mais com o que é essencial para viver bem”, conclui.

Com aumento da procura por imóveis nas cidades litorâneas, o crescimento populacional foi acompanhado de altas nos preços dos imóveis, principalmente em Balneário Camboriú, Itapema, Bombinhas e Porto Belo, todos municípios do litoral catarinense. De acordo com levantamento do DataZap, o preço médio por metro quadrado em BC chegou a R$ 12.522 e reflete uma variação acumulada de quase 10% em 2023.

Com terrenos escassos em Balneário Camboriú, a valorização dos imóveis também ocorreu em cidades vizinhas, segundo o  índice Fipezap. Em Itapema a população cresceu 66% e os preços médios dos imóveis dispararam 15% no acumulado de 2023. Porto Belo, que teve aumento populacional de 72%, registrou quase 17% de alta nos preços imobiliários em 2023.

Dados da consultoria Brain Inteligência Estratégica, de Curitiba (PR), apontam que, em Porto Belo, foram investidos cerca de R$ 4 bilhões em negócios imobiliários somente no ano passado. Entre 2020 e julho deste ano, foram emitidos 566 alvarás de construção de imóveis comerciais e residenciais na cidade, que fica ao lado de Itapema, sendo que 195 são licenças para construção de edifícios.

De acordo com o diretor da JBA, a verticalização acompanha o crescimento da população fixa dos municípios litorâneos.“No prédio em que a minha família tem apartamento de férias, em Balneário Camboriú, mais da metade do prédio já pertence a moradores fixos. Há alguns anos atrás, quando tínhamos apartamento em Guaratuba, de 19 moradores, apenas um passava o ano todo no Litoral”, lembra.

Para os veranistas, segundo o analista, além dos preços mais altos para as locações de temporada, a transformação das cidades praianas tem um lado bom. “A melhora na infraestrutura, saneamento e oferta de experiências gastronômicas, de compras e de lazer é inegável. O crescimento impulsiona a qualificação do atendimento ao turista e veranista. E isso valoriza as praias catarinenses e paranaenses, atraindo visitantes de todo o país e também de outras partes do mundo”, completa.